Como seria escrever sobre fator paterno sem ter sido pai? Realmente eu não tenho a mínima ideia. Ser pai para mim foi algo realmente transformador, sempre digo que não fui pai por acaso. Escolhi ser pai e o exerço dia a dia.
Bem, sou pai de dois lindos meninos quase adolescentes, um deles já tem hoje 13 anos. O mais novo chegou aos 11 neste ano, e tem uma conexão comigo que ao mesmo tempo que me encanta e desconcerta, sempre foi um enorme desafio para mim.
Neste artigo, quero primeiro trazer alguns insights sobre o fator paterno ao longo das últimas décadas, amparando minhas reflexões em estudos científicos publicamente divulgados. Depois, contextualizo três dimensões do fator paterno sob minha ótica. São elas, interação, disponibilidade e responsabilidade.
Entende-se por interação o tempo em que o pai está com a criança, seja no auxílio nas tarefas escolares, alimentando-a ou brincando.
A disponibilidade refere-se aos níveis de interação menos intensos. Por exemplo, quando o pai está em um cômodo da casa e a criança em outro, mas está acessível ao (a) filho (a) caso este precise.
Por último, a responsabilidade que se relaciona às atitudes do pai para garantir o bem-estar dos seus filhos[1]. É importante destacar que o envolvimento paterno é um fenômeno psicológico, mas que tem estreita a inter-relação com o contexto social, histórico e cultural. Ou seja, assume-se, no presente artigo a perspectiva epistemológica de que o envolvimento paterno é entendido como um processo socioconstrucionista.
FATOR PATERNO AO LONGO DAS ÚLTIMAS DÉCADAS
Nas últimas décadas, importantes mudanças no funcionamento e na estrutura familiar têm se apresentado e papéis sociais atribuídos a homens e mulheres estão em constante transformação. O que implica novas definições e expectativas sobre que funções pais e mães devem desempenhar e compartilhar no contexto familiar quanto ao cuidado dos filhos e à divisão de tarefas domésticas [2] .
Tais mudanças são observadas nas funções desempenhadas pelos pais e mães na interação com seus filhos, o que pode ser explicado por alguns fatores, dentre eles a valorização da mulher no mercado de trabalho.
Portanto, as tarefas domésticas e o cuidado com as crianças passaram a ser compartilhado entre o casal, o pai começou a participar de modo mais efetivo nas atividades com seu (a) filho (a) e a compartilhar responsabilidades na educação.
Ao se considerarem as transformações no âmbito familiar, alguns trabalhos de pesquisa nas últimas décadas sobre o fator paterno, têm investigado o envolvimento paterno e os impactos desse fenômeno sobre o desenvolvimento infantil[3] .
A partir da década de 1970 emergiu o interesse pela temática do envolvimento paterno e, segundo Lamb (2000), o panorama geral das pesquisas indica que o pai tem se envolvido de diferentes formas nos cuidados com os filhos e que isso reflete positivamente no desenvolvimento das crianças de diferentes formas.
Ele pode auxiliar nos cuidados básicos com o (a) filho (a), estabelecer limites e estimular o desenvolvimento da criança, pode ajudar no controle da agressividade, competitividade, habilidades sociais, bem como no seu desenvolvimento motor [4].
Turcotte e Gaudet (2009) apresentam três diferentes domínios que influenciam no envolvimento paterno:
As características pessoais do pai, o contexto familiar e o ambiente social. Apesar de existirem controvérsias, resultados da literatura indicam que os homens que tiveram uma relação e imagem mais positiva de seus pais na infância estão mais propensos a participar ativamente no cuidado e na relação emocional com a criança.
Isso denota a importância das relações intergeracionais na transição para a parentalidade e na forma de exercer a paternidade[5].
A EXPERIÊNCIA COMO FILHO INFLUENCIA DIRETAMENTE O FATOR PATERNO
As atitudes e crenças sobre os papéis de gênero são características que podem influenciar nas condutas e responsabilidades assumidas pelos pais, de acordo com sua concepção das funções que se devem ao pai ou à mãe.[6]
Além disso, observa-se que o sentimento de competência parental é um determinante importante na motivação dos homens para investir mais na relação com a criança. As características sociodemográficas, como a idade do pai e o nível socioeconômico, também exercem influência no envolvimento paterno.
Entretanto, para Souza e Benetti (2008), verificou-se que a idade do pai não interfere no envolvimento paterno, mas sua escolaridade sim, ou seja, quanto maior sua formação no ensino mais este participa nos cuidados de seus filhos.
Considerando o tema estudado neste artigo, adota-se uma visão socioconstrucionista do fenômeno, ou seja, admite-se que cada sujeito significa o mundo a partir da sua própria experiência, o que indica que há diversas representações de realidade realizada por diferentes observadores.
Neste processo de descrição dos fenômenos a narrativa de cada indivíduo adquire fundamental importância, já que é por meio das narrativas que o homem se expressa no mundo. O construcionismo social situa a linguagem no papel central de sua teoria, pois conforme Grandesso (2000), a linguagem refere-se a um processo interativo, elaborado nos espaços compartilhados de pessoas em relação umas com as outras.
Por considerar que o fenômeno do envolvimento paterno representa uma temática emergente e multidimensional, pois explora de modo específico os diferentes aspectos da relação entre pai e criança, bem como busca aprofundar o impacto do envolvimento do pai sobre o desenvolvimento infantil, podemos assim refletir que em tempos de maior participação dos pais na educação e no relacionamento com os filhos, o fator paterno pode exercer dentro das famílias uma forte tendência na geração de relações mais amorosas e menos agressivas.
NA INTERAÇÃO SURGE O COMPROMISSO DE PAI
Naquela cena que sempre rememoramos das nossas mentes em que uma criança começa a andar de bicicleta e seu pai logo atrás correndo segurando-a e depois a soltando surge para nós a percepção da presença do pai em momentos importantes da vida e formação dos filhos.
A interação passa por estar presente no dia a dia em atividades como brincar, estudar ou demais ações. A questão que se coloca como determinante, é o quanto dessas atividades são realmente exercidas pelos pais como entrega.
Na formação do indivíduo a gradativa percepção dele do quanto o outro está ali presente nestas atividades gera a construção de valor sobre o que realmente importa.
Lembro como comecei este artigo comentando logo acima como era desafiador a conexão com meu filho mais novo. Ele sempre muito amoroso e sensível, se conectava comigo nos pequenos detalhes e ao menor sinal do aumento da minha voz o distanciamento dele era visível.
Sua sensibilidade era tanta que precisei passar por uma terapia conjunta quando ele tinha seis anos, para que fosse possível entender quais canais eu deveria estar atento para uma maior conexão. Surge em minha memória uma frase da terapeuta daquele momento como algo que realmente me fazia refletir. “Benicio, você precisa criar momentos únicos com ele.”
Mesmo sendo pai de dois filhos, eu deveria ter um canal único para cada. Assim, comecei a entender o que era importante para ele e desenvolver estes momentos. Assim, criamos uma intimidade que se apresentava no olhar, no tímido sorriso ou nos carinhos deitados no sofá assistindo algo.
Ao escrever este artigo, sou surpreendido por lágrimas. Como faz bem saber que ao desenvolver o fator paterno estamos na verdade colocando para fora o amor de pai.
DISPONIBILIDADE NÃO PODE SER CONTADA EM HORAS, MAS NA PRESENÇA REAL
Ao longo dos anos, outra constatação importante em minha jornada como pai, foi a de que minha presença jamais poderia ser medida pelas horas que estava próximo aos meus filhos. Interessante esta análise, pois justamente quando eu fiquei longe do dia a dia deles isso ficou mais evidente para mim.
Foram dezesseis anos casado. Longa história e muita gratidão por tudo que vivi. Ser pai sempre deveria ser uma escolha pessoal jamais um acidente como alguns falam.
Casado, era cobrado sempre por dedicar mais tempo aos meus filhos. Isso causava em mim certo desconforto e por vezes um sentimento ruim de que estava sendo um pai ausente. Bem, depois de encerrar um ciclo conjugal, precisei adequar minha vida e criar momentos cada vez com maior qualidade de tempo e frequência com meus filhos.
Foram dois anos até conseguir me ajustar à nova vida. Meus filhos sempre estiveram perto e eu conversava com eles quase todos os dias. Aos poucos, comecei a perceber que sabia mais da vida deles, como estavam na escola ou mesmo como pensavam e agiam, do que quando estava casado e podia estar perto todos os dias.
Vejo hoje que meus filhos foram os maiores responsáveis por minha sanidade mental no período em que me divorciei. Os dois hoje estão muito mais presentes em minha vida do que antes. O mais velho participa ativamente de tudo que faço, absolutamente tudo. O mais novo por sua vez, criou comigo tal conexão que sempre quando estamos juntos normalmente estamos abraçados ou trocando carinhos.
Quando um homem deixa seus sentimentos fluírem ele causa em seus filhos a percepção de conforto e segurança. Estar disponível é promover acima de qualquer coisa a verdade dos sentimentos contidos nas relações. Não se pode quantificar o amor, por isso temos a tendência a relativizá-lo colocando no lugar o fator tempo de dedicação.
Percebi que a frequência de nadar junto com eles aos sábados exerce uma conexão centenas de vezes maiores do que ficar em casa ocupado com outras coisas ignorando a existência dos filhos.
EM NOSSA FORMAÇÃO A RESPONSABILIDADE GERA O SENTIMENTO DE QUE VALE A PENA A JORNADA A SER VIVIDA
Quando novamente lembramos da cena da bicicleta, podemos também refletir sobre a segurança que nessa cena está contida. O simples fato de saber que seu pai está ali logo atrás remete a confiança contida na relação e o sentimento de responsabilidade.
A segurança promovida por um pai que exerce a função paterna promove nos filhos o sentimento de que tudo está bem. Veja não quero dizer aqui criar um mundo de ilusões ou mesmo de fantasia. No filme “A Vida é Bela”, Roberto Benigni, cria um mundo de fantasias para promover a segurança a seu filho que com ele passava pelos tormentos de um campo de concentração nazista.
Famoso pela interpretação neste clássico, Benigni traz para nós a imagem da segurança criada pelo pai que em posse da função paterna e explodindo em seu amor de pai promove ao seu filho o máximo de segurança e tranquilidade mesmo em meio ao caos.
Hoje, muitas vezes confundimos segurança com posse. Ter tudo o que é possível não significa segurança ou mesmo demonstração do amor de pai ou do fator paterno. Amor, carinho, afeto são elementos essenciais bem como alimentação, educação, saúde e moradia. Essas são forças que se somam não se sobrepõe.
Uma vez divorciado, definimos a pensão que seria sim responsável pelo pagamento ao acesso a tudo que gera estabilidade e segurança material e confesso, sou grato por investir em meus filhos um valor financeiro que gera neles tranquilidade para continuarem sua formação como seres humanos.
Mas longe de achar que faço muito por mensalmente pagar algum valor sou mesmo grato por nutrir com minha ex-esposa um relacionamento fraterno, amigo e próximo. Afinal, nossos filhos sempre serão nossos filhos. E continuamos alinhados com a formação deles, pois essa foi para nós uma opção e não uma obrigação ou acidente.
O RESGATE DO MASCULINO PASSA PELO FATOR PATERNO
Quando o homem verdadeiramente busca pelo fator paterno, acaba encontrando seu masculino. Normalmente negligenciamos nossa amorosidade, pois a agressividade sempre à tona no masculino esconde nossa face mais bela.
A força que temos no masculino nunca poderá ser superada por nossa capacidade de transformar o rude ou agressivo em uma demonstração de amor. A grandiosidade do masculino não está na sua capacidade de demonstrar força bruta, mas sim de condensar esta força transformadora em algo que gere amor e afetividade.
Somos convidados a reescrever o masculino e ele passa por nossa conexão com o amor de pai e a descoberta do amor paterno. Refletir sobre nosso papel enquanto pais já pode indicar um belo começo.
SOBRE O AUTOR
Formado em eletrônica, graduado em Teologia pela PUC-SP, com MBA pela FGV em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios, pós-graduado em Vendas pelo Instituto Venda Mais, Mestrando pela Universidade Metodista de São Paulo na área de Educação e pós-graduado em Psicanálise pelo Instituto Kadmon de Psicanálise. Atualmente está em processo de conclusão do curso de bacharelado em Filosofia pela universidade Salesiana Dom Bosco.
Atua no mercado de tecnologia desde 1998. Fundador do Grupo Ravel de Tecnologia, Cofundador da Palestras & Conteúdo, sócio da Core Angels (Fundo de Investimento Internacional para Startups), sócio-fundador da Agência Incandescente, sócio-fundador do Conexão Europa e da Atlantic Hub (Empresa de Internacionalização de Negócios em Portugal).
Atua também como Mentor e Investidor Anjo de inúmeras Startups (onde possui cerca de 30 Startups em seu Portfólio). Além de participar de programas de aceleração, como SEBRAE Capital Empreendedor, SEBRAE Like a Boss, Inovativa (Governo Federal) entre outros.
Palestrando desde 2016 sobre temas, como: Cultura de Inovação, Cultura de Startups, Liderança, Empreendedorismo, Vendas, Espiritualidade e Essência. Já esteve presente em mais de 230 eventos (número atualizado em dezembro de 2020). É conselheiro do ITESCS (Instituto de Tecnologia de São Caetano do Sul), bem como em outras empresas e associações. Lançou em dezembro de 2019 o seu primeiro livro “Vidas Ressignificadas” e em dezembro de 2020 “Do Caos ao Recomeço”.
[1] (Lamb, 1997; Lamb, et al., 1985)
[2] (Grzybowski & Wagner, 2010; Matos, Magalhães, Féres-Carneiro, & Machado, 2017; Silva & Piccinini, 2007) (Wagner, Predebon, Mosmann, & Verza, 2005).
[3] (Cia, Pamplin, & Williams, 2008; D’Avila-Bacarji, Marturano, & Elias, 2005; Ferreira, & Triches, 2009; Gomes, 2015; Grzybowski, & Wagner, 2010; Lamb, Pleck, Charnov, & Levine, 1985; Paraventi, Bittencourt, Schulz, Souza, Bueno, & Vieira, 2017).
[4] (Backes, 2015; Cabrera, Tamis-LeMonda, Bradley, Hofferth, & Lamb, 2000; Dubeau, Devault, & Paquette, 2009; Paquette, 2004; Silva & Piccinini, 2007).
[5] (Bolze, 2016; Bouchard, 2012; Cabrera et al., 2000; Turcotte & Gaudet, 2009).
[6] (Paraventi et al., 2017).