SETEMBRO AMARELO: AINDA EXISTE VIDA ALÉM DO DIGITAL

Rostos sempre felizes, raiva à flor da pele, crítica a tudo e a todos, mensagens incessantes por todos os lugares. Do SMS ao WhatsApp, dos emails em excesso às ligações incessantes de call centers.

Ataques à segurança dos nossos dados em aplicativos e emails. Milhões de opções de conexão quase usurpando nossa alma. Em muitos momentos, em um piscar de olhos, nosso dia passa sem que seja possível perceber nada.

Será que ainda existe vida fora do digital? Em sua obra “Tornar-se Pessoa,” o psicólogo americano Carl Rogers dizia que, em um processo de comunicação, o essencial é a conexão empática. Sem entendermos o que o outro está sentindo ou o que é significativo para ele, nada irá acontecer.

Em alguns momentos, chego a acreditar que foi justamente o aprendizado de Carl Rogers que o digital se apoderou e transformou nossa realidade. Chegamos ao ponto de pensarmos em algo e, em instantes, termos a sugestão do que pensamos em nossa tela.

Assim como eu, você já deve ter passado pela situação durante uma conversa em que, ao olhar para seu celular, a sugestão do Google foi justamente o que você havia falado ou pensado. Ele sugere restaurantes a lugares quando você apenas comentava que estava com fome.

Tudo isso que externei até este momento não é ficção; vivemos em um mundo em que não temos mais espaço para nossa privacidade. Não estou aqui falando apenas sobre segurança da informação, mas sim sobre o espaço para sermos quem somos, sem que alguma sugestão seja dada a nós do que devemos ser ou do que precisamos consumir.

O apogeu desta constante ativação dos nossos sentidos de alerta pode levar muitas pessoas ao isolamento ou à criação de traumas por não conseguirem sustentar sua própria verdade.

A ONIPRESENÇA DO DIGITAL OCUPA O ESPAÇO DE QUEM SOMOS

Um dos pensadores mais interessantes da história da filosofia, o italiano Santo Anselmo (1093 a 1109), em um de seus estudos, elaborou o que seriam as categorias de Deus, dizia ele que Deus era onipresente, onisciente e onipotente.

Onipresente, está em todos os lugares;

Onisciente, sabe tudo o que acontece;

Onipotente, é o poder absoluto.

Algumas destas características fazem você comparar o digital atualmente e sua influência sobre a nossa vida? É isso mesmo, o digital tenta ocupar o lugar de Deus.

Pois bem, neste mês de setembro, o mundo se dedica a lutar contra o suicídio. Dados da ONU afirmam que, em alguns países ricos, as taxas de suicídio já são maiores do que as de muitas doenças.

Jovens a todo momento tiram suas vidas por questões cada vez mais ligadas às angústias e sofrimentos causados por frustrações ocorridas no meio digital.

Mas longe de serem os jovens os únicos afetados. Pessoas de todas as idades terminam com suas vidas e, em boa parte dos casos, o excesso de exposição ou valorização do mundo digital está por trás deste crescente fenômeno.

No fundo, não estou falando que o digital leva um ser humano a romper com sua existência. Mas não há mais dúvidas entre os especialistas em saúde mental de que o digital ocupa de tal forma a vida de todos que não estamos mais conseguindo nos conectar com a vida real.

Somos seres relacionais em nossa essência. Isso quer dizer que precisamos uns dos outros para trocarmos experiências e nos sentirmos amados.

Um dos sistemas mais importantes do nosso corpo é o sistema de recompensa do cérebro. Sempre que algo bom ocorre, ele é acionado, gerando prazer e, por consequência, estímulos positivos ou negativos.

Ao pegarmos nosso smartphone, uma avalanche de estímulos começa a ser desencadeada. Quantos de nós estamos realmente preparados para tanto estímulo? A resposta é ninguém!

SOMOS SERES ANALÓGICOS E AINDA ESTAMOS EM EVOLUÇÃO PARA O DIGITAL

Uma má notícia para você, leitor, é que ainda somos seres analógicos. Não somos seres digitais como eu e você desejávamos.

Isso quer dizer que não acompanhamos a velocidade de todos esses estímulos do digital. Portanto, estar em contato excessivo com ele, deixando de lado relações reais e humanas, pode ser um enorme desencadeador de frustrações ou mesmo neuroses.

Neste mês, muitas das ações promovidas por entidades que lutam contra o suicídio, que já é considerado uma epidemia, recomendam que estejamos atentos aos sinais de quem está ao nosso lado.

Claro que, em primeiro lugar, nós mesmos devemos ter consciência de que o excesso de exposição ao digital pode ser um caminho sem volta para a depressão, isolamento e, consequentemente, questões e problemas ainda maiores.

Tendo consciência disso, comece a perceber quem dos seus amigos, parentes e colegas tem se afastado do convívio com você. Em tempos de pandemia, ficamos ainda mais isolados, o que apenas fez agravar este problema.

Recomeçar sempre é possível, mas para isso muitas vezes precisamos de ajuda ou ainda podemos ajudar quem amamos a perceber seu isolamento.

COMO COMEÇAR A NÃO SER REFÉM DO DIGITAL?

Nas ações do Setembro Amarelo, somos convidados a refletir sobre o tema do suicídio. Mas ele não deve ser abordado apenas neste mês. Esta é uma questão extremamente séria, e apenas percebemos seu final quando perdemos alguém que amamos ou conhecemos.

Um primeiro passo é tomar consciência de que o suicídio é real e está ao nosso lado. Esteja atento, procure ajuda quando sentir que algo não está bem.

A depressão é um dos primeiros sinais de que algo está errado. Falta de ar, sentimento de angústia, aperto no peito. Todos esses sintomas são demonstrações de que nosso corpo está indicando que algo está em desacordo.

Refugiar-se no digital pode ser uma das válvulas de escape. Mas ele também pode ser o caminho para a saída. Quantos momentos renovamos com sentimentos de alegria ao ver uma postagem antiga ou uma imagem de amigos ou parentes nas redes sociais.

Sim, elas também podem ajudar a aproximar as pessoas, mas não são o fim para o qual os relacionamentos existem. No final do dia, queremos estar fisicamente com alguém. Conversando, bebendo algo ou assistindo um filme.

CRIAR UMA REDE DE PROTEÇÃO PODE FAZER A DIFERENÇA

Uma dica importante para você e para quem você perceber que precisa de ajuda é criar de forma consciente uma rede de pessoas que podemos chamar de rede de proteção.

Minha sugestão é fazer uma lista com pelo menos cinco nomes. Além disso, essas pessoas precisam ser importantes para você; portanto, elas, por definição, estariam contigo em qualquer momento da vida. Imagine uma lista de pessoas em quem você pode confiar para qualquer questão.

Tendo a lista feita em mãos, marque momentos com elas individualmente e mantenha sempre essa rede próxima.

Parece simples, e de fato é. Mas o ponto central é que quando estamos com quem amamos e nos sentimos protegidos, as questões ruins passam mais distante de nossa mente.

A prática de ter essa rede pode ser a diferença entre a vida e a morte. Não deixe para amanhã algo relevante como esta lista.

Faça hoje mesmo e marque seu primeiro encontro com pessoas que com certeza merecem sua atenção.

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Forte abraço e até o próximo conteúdo.

Leia também: O MODISMO MODERNO E NOSSA RELAÇÃO COM O DIGITAL

SOBRE O AUTOR

BENÍCIO FILHO

Formado em eletrônica, graduado em Teologia pela PUC SP e Filosofia pela Universidade Dom Bosco. Mestre pela Universidade Metodista de São Paulo na área de Educação, MBA pela FGV em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios. Pós-graduado em Psicanálise pelo Instituto Kadmon de Psicanálise. Atua no mercado de tecnologia desde 1998. Fundador do Grupo Ravel de Tecnologia, sócio da Core Angels Atlantic (Fundo de Investimento Internacional para Startups). Sócio fundador da Agência Black Beans e sócio fundador da Atlantic Hub e do Conexão Europa Imóveis ambos em Portugal. Atua como empresário, escritor e pesquisador das áreas de empreendedorismo, mentoring, liderança, inovação e internacionalização. Em dezembro de 2019, lançou o seu primeiro livro “Vidas Ressignificadas”. Em dezembro de 2020 seu segundo “Do Caos ao Recomeço”, e em janeiro de 2022 o último publicado “ Metamorfose Empreendedora”.