A hermenêutica, para Paul Ricoeur, é um guia metodológico, um guia de orientação de leitura e escrita de textos e obras. É também um método que busca a compreensão de uma obra, teórica ou poética, por isso também nos parece relevante para a leitura de obras da área da pedagogia.
Gianni Vattimo, conhecido por sua filosofia do pensiero debole com a qual constrói sua crítica à objetividade metafísica, considera que toda metafísica é violenta porque ela afirma uma epistemologia que nega a diferença.
Pensando com o eixo Nietzsche-Heidegger, Vattimo busca a superação desse modelo através da hermenêutica e de sua interpretação do cristianismo. Conjugando o pensiero debole com o anúncio da kénosis de Deus, Vattimo analisa o aspecto de enfraquecimento da mensagem judaico-cristã presente no pensamento ocidental.
Daqui, deriva-se a caridade, conceito cristão que desmistifica toda imposição de verdade que não seja fruto do diálogo e do consenso.
RICOEUR E O CONFLITO DE INTERPRETAÇÃO
Para Ricoeur, o intérprete sente-se desafiado em suas potencialidades. Nesse cenário, quanto mais leituras, mais possibilidades.
O texto, enquanto potencial pedagógico, permite identificar a presença do outro em vários momentos de seu percurso. Enseja destacar o si mesmo como um outro, indicando a diversidade desse outro, que é constitutivo da identidade do sujeito humano enquanto poder-se.
Estando à nossa frente ou ao nosso lado, o outro também está em nós. Nesse sentido, diverso de mim, o outro sou eu mesmo. Outro, mas o mesmo. O mesmo, mas outro. Só podemos compreender o que é o sujeito humano se identificarmos de que maneira esse outro lhe está presente.
O pensamento de Ricoeur caracteriza-se muito por sua relação com as filosofias do sujeito. Para ele, entretanto, o sujeito não é dado de início: ele só pode ser obtido por mediações, principalmente pelas obras da cultura, nas quais se reconhece.
Um sujeito que não é o “eu” de uma representação dada a si mesmo como ponto de partida, mas um sujeito que se descobre como “si mesmo” no ponto de chegada de um percurso, pela retomada reflexiva de suas ações.
Entre o ponto de partida e o ponto de chegada temos, entretanto, o tempo, que decorre e que transforma. Esse tempo é constitutivo do sujeito, a partir da própria temporalidade do existir humano, pois é a sua vida e sua história.
No tempo, o sujeito, de certa forma, nunca mais será o mesmo do ponto de partida, mas, de certa forma, é, contudo, o mesmo. Essa é uma maneira de interpretar e compreender a Si-mesmo, enriquecido, ao longo do tempo, pela relação com o outro.
O percurso da «via longa» implica uma ampliação metodológica que passa, necessariamente, pela hermenêutica. Numa primeira fase, a hermenêutica reduz-se à descoberta da estrutura comum a todo o símbolo para, progressivamente, se abrir ao conflito de interpretações rivais.
Com efeito, aparece sempre, como cenário, uma ontologia da compreensão do ser humano, da sua presença na vida e na história e das suas múltiplas relações com os outros, tanto no presente como no passado histórico, configurado por uma diversidade de representações, de discursos significantes e dos símbolos das culturas humanas.
O que Ricoeur pretende, mais do que arbitrar um conflito de interpretações rivais, é a superação desse conflito por intermédio da substituição de uma hermenêutica redutora por uma hermenêutica restauradora do sentido.
O conceito de símbolo perde o seu sentido estático, entendido como possuidor de um único sentido, para passar a ser algo susceptível de interpretação, ganhando, assim, uma perspectiva mais ampla, enquanto refiguração textual e narrativa da experiência humana, da ação e do mundo.
APEL E HABERNAS
Será essencialmente no escopo da constituição de uma teoria racional do discurso que Apel reivindica a transformação da filosofia, baseada no a priori da comunidade de comunicação.
Habermas opõe-se às noções gadamersianas que atrelam autoridade (tradição) a conhecimento, bem como quando Gadamer procura reabilitar o preconceito por uma base pré-conceitual de compreensão.
Habermas defende, como proposta para a sociedade, que transitemos progressivamente da ação estratégica para a ação comunicativa. Nesse tipo de ação, a orientação deixa de ser exclusivamente para o sucesso individual, e passa a se denominar como orientação para o entendimento mútuo.
VATTIMO E O CHAMADO “PENSAMENTO FRACO”
Gianni Vattimo denominou pensamento fraco, no qual está incluída a problemática acerca da vocação niilista da hermenêutica, ao pressupor a ideia de que a hermenêutica deve orientar-se a partir do reconhecimento do sujeito ao assumir uma postura niilista ativa, ou seja, que cada experiência de verdade seja uma articulação interpretativa de uma pré-compreensão na qual somos colocados pelo fato mesmo de existirmos enquanto seres-no-mundo.
Neste caso, o niilismo é interpretação e não descrição de um estado de fato. Ademais, e não menos importante, aborda-se seus desdobramentos políticos e educacionais, em que se reflete amiúde a abordagem do respetivo estudo orientando-se a partir da perspectiva de situar a hermenêutica como paradigma para a educação, na tentativa de, a partir de Vattimo, refletir sobre a passagem do plano epistemológico para o plano hermenêutico, tal qual ele sugere.
O pensamento fraco é aquele que situado no momento histórico pensa sobre todas as questões, mas não se fecha numa interpretação única e determinística. Ele é um pensamento aberto para as possibilidades, pois é passível de questionamento.
A HERMENÊUTICA DE RORTY E OS PONTOS COMUNS COM VATTIMO
Rorty foi um pensador prolífico e combativo. Definia a si próprio como um neopragmatista porque defendia que o termo experiência fosse substituído por linguagem, palavra mais adequada para expressar o holismo e o antifundacionismo.
Para o filósofo italiano Gianni Vattimo, “não se pode compreender a filosofia contemporânea sem passar através de Rorty”. Questionado sobre seu diálogo intelectual com o filósofo norte-americano, Vattimo afirmou que, no plano religioso, suas “ideias são semelhantes, porque ambos cremos no fim da metafísica, no fim daquela religião como fundamento último além do qual não se pode andar, quando, ao invés, ela é apenas uma das tantas formas para interpretar a nossa existência”.
Além de um amigo, Rorty era companheiro de pensamento de Vattimo, haja visto que Rorty chegou mesmo a se definir como “pensador fraco”. Vattimo afirma que os dois maiores legados filosóficos de Rorty são o fim da metafísica e “as consequências que comportam este fim: o desmantelamento dos conceitos de verdade, de razão e de representação”.
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Forte abraço e até o próximo conteúdo.
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SOBRE O AUTOR
Formado em eletrônica, graduado em Teologia pela PUC SP e Filosofia pela Universidade Dom Bosco. Mestre pela Universidade Metodista de São Paulo na área de Educação, MBA pela FGV em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios. Pós-graduado em Psicanálise pelo Instituto Kadmon de Psicanálise. Atua no mercado de tecnologia desde 1998. Fundador do Grupo Ravel de Tecnologia, sócio da Core Angels Atlantic (Fundo de Investimento Internacional para Startups). Sócio fundador da Agência Black Beans e sócio fundador da Atlantic Hub e do Conexão Europa Imóveis ambos em Portugal. Atua como empresário, escritor e pesquisador das áreas de empreendedorismo, mentoring, liderança, inovação e internacionalização. Em dezembro de 2019, lançou o seu primeiro livro “Vidas Ressignificadas”. Em dezembro de 2020 seu segundo “Do Caos ao Recomeço”, e em janeiro de 2022 o último publicado “ Metamorfose Empreendedora”.