A filosofia analítica é dominante em países de língua inglesa e na tradição filosófica ligada a eles, contrastando com o que ficou conhecido como “filosofia continental”, baseada majoritariamente em autores europeus de direcionamento existencialista ou fenomenológico.
Confesso que quando me debruço sobre as duas correntes, gosto muito e tenho criado grande identificação com a corrente continental.
Os filósofos continentais chamam a filosofia analítica de inóspita, superficial, sem graça e ignorante da vida real. Os filósofos analíticos acusam a filosofia continental de ser confusa, obscura, subjetiva (no sentido pejorativo) e emotiva.
Mas é justamente esta emoção que cria em mim esta conexão. Gosto da discussão entre uma linha e outra. E também vejo como interessante os filósofos ditos continentais acusarem a filosofia analítica de retomar ingenuamente uma perspectiva cientificista e formalista, sem interrogar seus pressupostos.
Por sua vez, os filósofos analíticos acusam os continentais de se preocuparem mais com a exegese de autoridades filosóficas do que com a clarificação dos problemas filosóficos. Sokal e Bricmont, em seu livro “Imposturas Intelectuais” tentam caracterizar a atividade da filosofia continental como a concebem.
OS FILÓSOFOS CONTINENTAIS
Alguns dos chamados filósofos continentais despertam em mim uma maior predileção. Não obstante disso, também gosto de sinalizar em suas obras o porquê que convergem com minha visão filosófica.
São eles:
- A fenomenologia de Edmund Husserl ou Maurice Merleau-Ponty
- A ontologia fundamental de Martin Heidegger
- A psicanálise de Sigmund Freud ou Jacques Lacan
- O existencialismo de Jean-Paul Sartre
- Os materialismos histórico e dialético de Karl Marx e Friedrich Engels
- O estruturalismo em ciências humanas inspirado por Claude Lévi-Strauss ou Michel Foucault
- A hermenêutica de Hans-Georg Gadamer ou Paul Ricoeur
- A desconstrução de Jacques Derrida
- A teoria crítica da Escola de Frankfurt
Como pensar filosoficamente sem sentir o pertencimento destes filósofos?
QUATRO PONTOS ESSENCIAIS DA FILOSOFIA CONTINENTAL
VISÃO
Filósofos continentais geralmente rejeitam a visão de que as ciências naturais são a única forma ou a mais precisa de compreender os fenômenos naturais.
Isso contrasta com muitos filósofos analíticos que consideram suas investigações como contínuas ou subordinadas às das ciências naturais.
Os filósofos continentais frequentemente argumentam que a ciência depende de um “substrato pré-teórico da experiência” (uma versão das condições kantianas da experiência possível ou do “mundo da vida” fenomenológico) e que os métodos científicos são inadequados para compreender plenamente tais condições de inteligibilidade.
CONDIÇÕES TEXTUAIS E CONTEXTUAIS
A filosofia continental geralmente considera essas condições de experiência possíveis como variáveis: determinadas, pelo menos em parte, por fatores como contexto, espaço e tempo, idioma, cultura ou história. Assim, a filosofia continental tende ao historicismo (ou historicidade).
Onde a filosofia analítica tende a tratar a filosofia em termos de problemas discretos, capazes de serem analisados à parte de suas origens históricas (por mais que os cientistas considerem a história da ciência não essencial para a investigação científica), a filosofia continental tipicamente sugere que “o argumento filosófico não pode ser divorciado do condições textuais e contextuais de seu surgimento histórico. ”
EXPERIÊNCIA HUMANA
A filosofia continental tipicamente sustenta que a agência humana pode mudar essas condições de experiência possível: “se a experiência humana é uma criação contingente, então ela pode ser recriada de outras maneiras.” Assim, os filósofos continentais tendem a ter um forte interesse na unidade da teoria e prática, e muitas vezes veem suas investigações filosóficas como intimamente relacionadas com a transformação pessoal, moral ou política.
Essa tendência é muito clara na tradição marxista (“os filósofos apenas interpretaram o mundo de várias maneiras; a questão, porém, é mudá-lo”), mas também é central no existencialismo e no pós-estruturalismo.
METAFILOSOFIA
Um último traço característico da filosofia continental é a ênfase na metafilosofia. Na esteira do desenvolvimento e do sucesso das ciências naturais, os filósofos continentais muitas vezes buscaram redefinir o método e a natureza da filosofia.
Em alguns casos (como o idealismo alemão ou a fenomenologia), isso se manifesta como uma renovação da visão tradicional de que a filosofia é a primeira, fundamental, ciência a priori. Em outros casos (como hermenêutica, teoria crítica ou estruturalismo), sustenta-se que a filosofia investiga um domínio que é irredutivelmente cultural ou prático. E alguns filósofos continentais (como Kierkegaard, Nietzsche ou o posterior Heidegger) duvidam que qualquer concepção de filosofia possa alcançar coerentemente seus objetivos declarados.
Não distante dos pontos abordados, pensar em uma língua universal seria como pensar em cercear o pensamento, embutindo em cada mente uma única orientação. Sendo assim, ter uma linha filosófica como referência não limita o pensamento e não pode ser motivo de desprezo das outras tendências e linhas filosóficas.
Gostou do artigo? Comente, compartilhe e envie uma mensagem para que juntos possamos estudar este e mais assuntos.
Forte abraço e até o próximo conteúdo.
Leia também: A FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO COMO RESPOSTA A TEORIA DA DEPENDÊNCIA
SOBRE O AUTOR
Formado em eletrônica, graduado em Teologia pela PUC SP e Filosofia pela Universidade Dom Bosco. Mestre pela Universidade Metodista de São Paulo na área de Educação, MBA pela FGV em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios. Pós-graduado em Psicanálise pelo Instituto Kadmon de Psicanálise. Atua no mercado de tecnologia desde 1998. Fundador do Grupo Ravel de Tecnologia, sócio da Core Angels Atlantic (Fundo de Investimento Internacional para Startups). Sócio fundador da Agência Black Beans e sócio fundador da Atlantic Hub e do Conexão Europa Imóveis ambos em Portugal. Atua como empresário, escritor e pesquisador das áreas de empreendedorismo, mentoring, liderança, inovação e internacionalização. Em dezembro de 2019, lançou o seu primeiro livro “Vidas Ressignificadas”. Em dezembro de 2020 seu segundo “Do Caos ao Recomeço”, e em janeiro de 2022 o último publicado “ Metamorfose Empreendedora”.